Instabilidade atmosférica em Portugal continental: 2 de julho de 2014

No dia 2 de julho de 2014, devido à existência de uma depressão aos vários níveis da troposfera, centrada no interior da Península Ibérica, houve forte instabilidade atmosférica que afetou principalmente as regiões do interior, onde ocorreram aguaceiros, por vezes, fortes e acompanhados de trovoada em alguns locais.

De acordo com a análise das 12 UTC do dia 2 de julho do modelo do ECMWF, a situação meteorológica em Portugal continental era determinada a essa hora por um anticiclone localizado sobre a região dos Açores e por uma depressão, pouco cavada, centrada em Espanha a leste de Castelo Branco. A referida depressão estendia-se em altitude aos níveis altos da troposfera, sendo os seus bordos oeste e sul contornados por um jato muito intenso aos 300 hPa (figura 1a). Na segunda metade do dia a depressão viria a deslocar-se para sul afetando o estado do tempo, principalmente, nas regiões do interior.

Através da análise da velocidade vertical (figura 1b), da humidade relativa (figura 1c) e do índice de estabilidade Jefferson (figura 1d) é possível identificar três mecanismos físicos favoráveis à ocorrência de fenómenos convectivos severos (como, por exemplo, aguaceiros fortes e trovoada) nas regiões do interior: movimento vertical ascendente (valores negativos de w), elevado teor de humidade nos níveis baixos (valores superiores a 65%) e instabilidade atmosférica (valores de Jefferson superiores a 30ºC).

 

Cartas do ecmwf
Figura 1 – Análises das 12 UTC do dia 2 de julho de 2014 do modelo do ECMWF: (a) Vento (> 30 kt) e Isotáxicas (> 60 kt) aos 300 hPa; (b) Velocidade vertical (w) aos 850 hPa (Pa s-1); (c) Humidade relativa do ar aos 850 hPa (%); (d) Índice de estabilidade Jefferson (isotérmicas de 2ºC).

Na figura 2 é apresentada uma sequência de imagens do produto Sandwich HRV-IR1 para o período da tarde entre as 12:15 UTC e as 18:15 UTC, no qual foram registadas quantidades de precipitação significativas nas estações meteorológicas da rede do IPMA.

Na imagem do produto Sandwich HRV-IR para as 12:15 UTC (figura 2a) podem observar-se estruturas convectivas, constituídas por uma ou mais células associadas a nuvens cumuliformes, quer em Espanha quer nas regiões do interior Norte e Centro de Portugal, onde os topos das nuvens apresentam tons de azul claro correspondentes a temperaturas de brilho entre 231-235 K (ou de -42 a -38ºC), aproximadamente.

Entre as 12:15 UTC e as 14:15 UTC (figura 2b) é de salientar uma expansão da zona com desenvolvimentos convectivos para sul-sudoeste, associado ao movimento da depressão, facto que é mais notório considerando a sequência de imagens até às 18:15 UTC (figuras 2a-d). Pode também observar-se na imagem para as 14:15 UTC uma célula convectiva na zona da Anadia, cujos topos apresentaram nesta imagem a sua temperatura mais baixa (entre 226-230 K, ou de -47 a -43ºC, aproximadamente), sugerindo que a célula atingiu o seu estado maduro e de maior atividade convectiva. Este facto é consistente com a precipitação intensa ocorrida na estação de Anadia entre as 13 e as 15 UTC (10 mm/1 hora às 14 UTC e  20 mm/1 hora às 15 UTC) que registou os máximos de precipitação no dia 2 de julho nas estações do IPMA.

Embora os registos de precipitação não o permitam confirmar devido à natureza localizada da convecção, a análise das imagens do produto Sandwich HRV-IR sugere, contudo, que os fenómenos convectivos terão sido mais severos nas regiões do interior Norte e Centro, junto à fronteira com Espanha. Como se pode observar na imagem das 16:15 UTC (figura 2c), a estrutura convectiva visível na região de Miranda do Douro exibe uma zona de “pico” amarelo-alaranjada onde são atingidas temperaturas relativamente mais baixas (entre 216-220 K, ou de -57 a -53ºC, aproximadamente).

Das 16:15 UTC às 18:15 UTC (figura 2d) verifica-se um decaimento acentuado da convecção em Portugal continental (topos mais quentes – tons azulados e cinzas – associados a nuvens baixas e/ou pouco espessas). Todavia, na região de Zamora a convecção mantém-se muita severa, como sugere a estrutura convectiva observada nessa região às 18:15 UTC cuja zona de “pico” vermelho-escuro (com temperaturas entre 211-215 K, ou de -62 a -58ºC, aproximadamente) está, muito provavelmente, associada a uma situação em que o topo do cumulonimbo é forçado a ultrapassar a tropopausa devido a uma corrente ascendente muito forte no interior da nuvem (overshooting top).

 

Figura 2 – Imagens do produto Sandwich HRV-IR para o dia 2 de julho: (a) 12:15 UTC; (b) 14:15 UTC; (c ) 16:15 UTC; (d) 18:15 UTC (Escala da temperatura de brilho – BT – em graus Kelvin).

 

1 As imagens do produto Sandwich HRV-IR resultam da combinação de duas camadas: uma camada base na banda do visível do satélite de alta resolução SEVIRI-MSG e uma camada sobrejacente na janela do infravermelho térmico.